terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

OS XOKLENG EM NOVELA GRÁFICA

Quando terminei de ler Os Xokleng, novela gráfica produzida pelo catarinense (de Blumenau) Alex Gunther, fiquei com o coração dividido entre o deslumbre e a chateação – felizmente, muito mais daquele do que desta, em majoritária proporção. Editada e lançada de forma independe, com ótimo acabamento gráfico, (29 cm x 21 cm; capa colorida cartonada com 54 páginas em tons de cinza) digno do talento do autor. Reparem só a surpreendente capa, pintada a lápis! O grande artista optou pela simplicidade, com excelentes resultados. O livro narra a história dos xokleng, nativos brasileiros que no passado habitavam extensas porções territoriais na região sul do nosso país, incluindo a região em que hoje fica a cidade natal do autor. Bem, e isso quer dizer que estamos diante de uma narrativa histórica – e aí é que entra a pontinha de aborrecimento a que me referi no início deste comentário: Gunther segue o discurso dominante do meio acadêmico esquerdista, o da vitimização dos indígenas, um discurso que, muitas vezes exagerado, justamente gerou a pecha de “coitadismo”. Gunther não escapa disso ao mostrar os xokleng como anjos de virtude, e os não-índios como seres impiedosamente maus e gananciosos; e aqueles que intercederam a favor deles, parecem mais ingênuos e/ou alienados do que sinceramente bem intencionados. Vejam por exemplo o que se lê logo no começo do texto da 4ª. capa: “No começo, eram só os índios e a natureza. Tinham uma vida pacata, alimentos suficientes, seus rituais e suas tradições. Então, chega o homem branco e com ele a disputa de terras, devastando tudo (...)”. A vida pré-chegada dos europeus é descrita como um idílico cenário, mas, como vem demonstrando a mais recente historiografia, parece muito mais um cenário de conto-de-fadas do que de realidade histórica. Basta a leitura do primeiro capítulo do livro Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, de Leandro Narloch, e sua sólida bibliografia. Está claramente demonstrado que os nativos brasileiros estavam muito longe da vida harmoniosa com a natureza. Ao contrário: sua atividade agrícola pastoril era extremamente destrutiva, e quem os ensinou a melhor tratar o solo e assim preservar o meio-ambiente foram, vejam só, os jesuítas! Se os europeus não tivessem vindo até hoje, talvez o Brasil fosse um imenso deserto, com famélicos que sequer soubessem uma linguagem escrita! É certo que os índios praticavam “seus rituais e suas tradições”, mas é bom lembrar que uma parte significativa dos nativos praticavam rituais “religiosos” que terminavam num jantar canibalesco. Também é inverídico que tinham “alimentos suficientes”, não confere com a verdade histórica pois sazonalmente sofriam algumas penosas temporadas de fome (possivelmente provocadas pela péssima prática agrícola que exerciam). “Tinham uma vida pacata” – nem sempre! Viviam guerreando entre suas tribos, como o próprio Gunther mostra neste livro, as refregas entre os xokleng e os kaingang. Por isso as disputas de território se davam muito antes da chegada dos europeus. A propósito, os nativos só não conseguiram expulsar definitivamente os europeus, pois muitos se aliavam aos invasores visando ganhar vantagens contras seus inimigos milenares. Percebi que o autor, a respeito desta relação nativo-europeu, dá muito mais destaque ao racismo do que à integração, a miscigenação pacífica entre os europeus e os brasileiros, que foi muito maior e mais intensa do que em qualquer outro local no continente americano! E que ninguém venha pondo palavras em minha boca dizendo que estaria negando violências praticadas contra os indígenas, ou odiando os nativos. Claro que não devemos jamais negar o que se passou na História, até por isso faço esses comentários a respeito do texto da contracapa do álbum Os Xokleng.


Um esclarecimento se faz necessário: Gunther veio de universidade e é de se esperar que dificilmente escaparia dos “vícios esquerdistas”, há muitos anos dominando amplamente o meio acadêmico (eu mesmo não escapei, parte do tempo em que estive na universidade). Mas é bom que fique claro: de forma alguma ele pode ser confundido com alguma espécie de petralha aloprado com diploma, longe disto. Gunther é responsável, ponderado, e se esforça em deixar as coisas bem esclarecidas – e se defende com sólidos argumentos: apesar de jovem (sequer completou 35 anos), ele já tem publicadas outras quatro novelas gráficas sobre a História de sua região, focado nos outros grupos étnicos que a colonizaram. Livros que, espero, tenha eu a preciosa oportunidade de ler, qualquer dia destes.


E um pequeno parênteses também se faz necessário antes que eu continue: citei e admiro o trabalho de Narloch em seus livros, mas não o perdôo por não ter citado sua verdadeira inspiração, que é a obra do professor Thomas E. Woods Jr, inclusive o título dos livros! Woods, apesar de jovem (menos de 40 anos), já tem uns 45 livros publicados, mas aqui no Brasil só foi traduzido um deles (Como A Igreja Católica Construiu A Civilização Ocidental, pela Editora Quadrante – depois ainda há quem não acredite que a esquerda é quem domina o mercado editorial, hein?). Por que teria Narloch não citado a sua bibliografia primordial? A única pista que temos está em seu feroz anticristianismo, facilmente detectável no Guia Politicamente Incorreto Da História Do Brasil, tendo este anticristianismo sua maior expressão na inadequada, estapafúrdia, tolinha, bobinha mesmo, comparação entre pequenos trechos do Manifesto Comunista de Karl Marx com os do profeta Isaías no Antigo Testamento.


Mas voltemos ao que mais interessa, ou seja, a melhor e maior parte da novela gráfica Os Xokleng, escrita e ilustrada por Alex Guenther. Recebi este álbum das mãos do próprio autor durante o evento do Londrina Comic Con, ocorrido na cidade paranaense na primeira semana de fevereiro. Eu pifiamente retribuí a gentileza com alguns gibizinhos da Júpiter II (saí ganhando na troca!). Naquele breve encontro que tivemos pude facilmente detectar simpatia e generosidade. Lá mesmo, folheando o livro enquanto conversávamos, pensei comigo mesmo: “caramba, como esse cara desenha bem!”, e assim que pude me concentrar calmamente na leitura do livro, a boa perplexidade se confirmou dupla, triplamente! Os maravilhosos desenhos de Os Xokleng tornam a leitura um deleite visual que nos faz perdoar rapidamente qualquer ‘pecadinho’ ideológico que Gunther tenha cometido em sua narrativa. Tem um estilo que usa vários estilos (especialmente dos europeus), tendo encontrado o seu próprio.


É que eu sou um rabugento incurável, espero ao menos ter deixado claro neste breve texto, que considerei esta novela gráfica um trabalho notável e valoroso, altamente recomendável a quem quiser ler uma ótima História-em-Quadrinho. Gostei tanto que me emocionei e me assustei com as fotos históricas apresentadas na terceira capa, logo ao final da leitura da HQ, com personagens lá mostrados. Emocionei-me ao ver as fotos dos nativos, bem como a do altruísta Eduardo Hoerhan, e me assustei com as fotos dos ‘bugreiros’, caçadores e assassinos de índios. Da mesma forma que apreciei esta obra a ponto de me interessar em conhecer os livros precedentes do autor, creio que o mesmo se dará com outros muitos, muitíssimos leitores. www.alexgunther.comlex.thr@terra.com.br (JS)

CATA COMICS REÚNE ECLÉTICOS QUADRINHISTAS CATARINENESES

Alex Gunther também me presenteou com outra edição que me deixou deliciado, uma seleção de ecléticos autores catarinenses numa luxuosa publicação: Cata Comics – Quadrinhos Independentes (26 cm x 17 cm, lombada quadrada, capa colorida com 32 páginas em tons de cinza, tudo em papel couchê, pela mixaria de R$ 5,00). O primeiro participante é Ricardo Manhaes com “Em Obras”, sobre desastrados operários da construção civil – o traço muito divertido me lembrou daquelas histórias de Jacovitti, vistas na antológica revista Eureka da Editora Vecchi. Segue uma HQ do incrível Alex Gunther chamada “Arthur, O Cartunista”, algo totalmente diverso do que foi visto no seu álbum Os Xokleng. Desta feita, Arthur conta uma hilariante desventura de um cartunista que, sozinho em casa, e mesmo necessitando trabalhar, é dominado pela preguiça – tudo termina de modo desastroso, hilariantemente desastroso. E todo mundo que trabalha em casa sabe muito bem disso, hein? De nossa diária luta contra a preguiça. Depois temos “Primeiro Dia”, apresentando mais uma aventura do formidável Menino Caranguejo criado por Chicolam, que apresentou uma nova maneira de se analisar a ecologia. “Escrito Nas Estrelas” de Jean Errado é uma poética história romântica de ficção-científica. Então é a hora e a vez do incrível Aldo Anjos, que eu já conheço da revista independente Cartum (publicada desde 2001, com mais de 120 números!), apresentando seus tresloucados personagens como Pafúncio e Jaime Mória que são vistos nesta edição do Cata Comics. José Mathias apresenta seus personagens adolescentes sarcásticos, e a publicação encerra com duas HQs focadas no estilo terror & suspense: “Despertar” (por D’imitre Camargo Martins) e “Você Acredita Em Milagres?” (de Juliano Frena), ambas muito competentes. Excelente publicação, que vocês podem adquirir entrando em contato com o blog www.catacomics.blogspot.com (JS)

NOVO TÍTULO DE TERROR, NA MELHOR TRADIÇÃO DO BOM QUADRINHO BRASILEIRO

Seguindo a formidável tradição do gênero preferido de sete em cada dez amantes das Histórias-em-Quadrinho brasileiras, surge mais um gibi de terror & suspense: trata-se do primeiro número de Dossiê Negro (26 cm x 17 cm), 40 páginas em tons de cinza e p&b, capa couchê colorida feita por ninguém menos do que mestre Julio Shimamoto, editada pelo paranaense João Batista Marin, mais conhecido como Juka. E é o próprio editor o roteirista das três excelentes HQs desta edição: “Suspeita” (ilustrada por André Coelho), sobre um ritual de magia negra que termina de forma inesperada... para os ritualistas! Anotem aí o nome de André Coelho, que logo vai estar desenhando para os gringos (e não é pra menos, pois o cara é muito bom de serviço). “Desgraça” (ilustrada por Carlos Nascimento) mostra os cuidados que temos que ter com nossa língua, pois palavra mal dita & maldita pode certamente trazer consequências nefastas para aquele que frequentemente a pronuncia. Encerra a revista “Uma Segunda Chance...”, com desenhos de Diogo Freu, é a cereja no bolo, mostrando que a maldade e a perfídia têm destino certo: a destruição daquele que as propaga. Num posfácio onde apresenta esboços e estudos, o editor comenta que os roteiros aqui ilustrados foram originalmente criados para serem encaminhados para a Editora D-Arte e suas revistas Calafrio e Mestres Do Terror, mas as revistas foram canceladas antes que pudessem ser enviados. Muito provavelmente teriam sido aceitos, pois são ótimos. A preferência do editor e roteirista pelas antológicas revistas editadas por Rodolfo Zalla fica mais evidente com as sessões de humor e sobre curiosidades dos comics. Conheci pessoalmente o Juka durante a Londrina Comic Con, e vou lhes contar: além de ótimo editor e roteirista, é um dos maiores e mais organizados colecionadores que já vi! jukacadillac@yahoo.com.br - dossienegro@gmail.com (JS)


SAIU NOVA EDIÇÃO DO ESCORPIÃO DE PRATA

Saiu mais uma edição do Escorpião De Prata (criação de Eloyr Pacheco), caprichadíssima, a começar pelo acabamento gráfico (26 cm x 17 cm, capa couchê colorida e miolo de 40 páginas em tons de cinza, sugerido para adultos), arte da capa por André Coelho colorizada por André Bianchi. E o subtítulo da capa resume bem o que há naquelas páginas: Aventura + Humor, em duas sensacionais HQs. Primeiro temos “Dia De Visita” (escrita e ilustrada por Edvanio Pontes) é plena de bom humor, quando o Escorpião de Prata desaparece misteriosamente e vai parar numa dimensão onde ninguém está conseguindo pronunciar palavrões (seria bom que isso acontecesse por aqui, pelo menos iria deixar desempregados todos os “compositores” de música funk de periferia, e nossos ouvidos muito mais saudáveis!), e recebe a ajuda de ninguém menos do que do estapafúrdio Coelho Puto, o mais desbocado dos coelhos super-heróis dos gibis (criado pelo mesmo Edvanio Pontes que produziu esta HQ). Há situações realmente hilariantes, consequência deste inusitado encontro – e creio ser intenção do autor-editor Eloyr Pacheco sempre apresentar seu personagem Escorpião De Prata contracenando com algum outro super-herói brasuca. A segunda HQ pode ser considerada uma pequena obra-prima: “Doce Veneno”, inteligentíssima narrativa criada por Eloyr ajudado por Ricardo Zanin. O Escorpião De Prata é envenenado e seus delírios não poderiam ser mais... apavorantes? Curiosos? Como foi dito, curiosa mesmo é a narrativa, tendo ação real ilustrada num estilo realista (por Edson Novaes e Glauber Matos), e as páginas que mostram o herói prisioneiro de seu próprio delírio, num estilo totalmente diverso, baseado nos desenhos animados contemporâneos. Ah, sim, o Coelho Puto também está por aqui, marcando presença! A edição ainda apresenta galeria de ilustrações estilo pin up feitas por artistas como Will, André Coelho, Everton Veras, Samuel Bono, Adriano Sapão e Lancelott Bartolomeu Martins. E, de quebra, prefácio (escrito com a categoria e a ponderação habituais de Laudo Ferreira Júnior), e posfácio do doutor em estudos literários Márcio Roberto do Prado. www.fotolog.terra.com.br/escorpiaodeprata - eloyr.pacheco@gmail.com (JS)

UM FANZINE ROMÂNTICO

Recebo das mãos do fanzineiro, publicitário e designer de vídeo games, o paulistano Alexandre Damas, o excepcional fanzine Sentimento – Toquei Um Coração, lançado no formato ½ A4 capa colorida frente & verso em couchê com 8 páginas em tons de cinza. Aí alguém pode me perguntar “mas Salles, como é que um fanzine como este pode ser excepcional?”, no que eu responderia prontamente: graças a temática escolhida pelos autores. O título do fanzine é também o da HQ apresentada, escrita pelo irmão de Alexandre, Adams Damas, tendo sido ilustrada pelo próprio Alexandre. E acreditem meus caros, mesmo nos dias de hoje, quando 90% dos zines e publicações independentes insistem em apresentar as piores barbaridades, exaltando os piores vícios e torpezas, eis que os irmãos Damas apresentam uma história romântica poética, que dedicaram as suas esposas – louvadas sejam estas mulheres, que inspiraram esses marmanjões a lhes proporcionar tão singela homenagem! E feita com tamanha sensibilidade que, ao terminar de ler, num momento em que me isolei dos demais frequentadores do Londrina Comic Con, não pude segurar aquelas lágrimas que marejam os olhos – ainda bem que os colegas não me viram neste momento, pois vocês sabem, um cara como eu tem que manter a fama de durão. Ah sim, recentemente foi lançado pela Júpiter II o gibi Romance em Quadrinhos – por isso, além da alegria de ter tido a chance de ler tão formidável HQ, foi descobrir que não estou sozinho nesta caminhada! Saibam mais sobre os autores em www.grimorio2.blogspot.com ou em www.damas-3brotherscomics.blogspot.com Na capa do fanzine está escrito “Parte 1”, que venham as outras mil!