domingo, 16 de março de 2014

HISTORIADOR NORTE-AMERICANO FAZ JUSTIÇA COM VIDA E OBRA DE WALT DISNEY

“O tempo é o senhor da razão”, narra o implacável e infalível dito popular. Da mesma forma, a História é a mestra do tempo (alguém já deve ter escrito isso, só não me lembro quem foi). Vivenciei essas divagações enquanto lia a mais recente biografia de Walt Disney escrita pelo norte-americano Neal Gabler: Walt Disney – O Triunfo Da Imaginação Americana (Editora Novo Século, 712 páginas). Um dos personagens mais famosos de nosso tempo – mesmo já tendo falecido há quase cinquenta anos – Disney já foi alvo de biografias depreciativas, de historiadores (todos, ou quase todos, de orientação marxista) que faziam questão somente de exaltar seu ‘lado negro’. Disney teria sido simplesmente um capitalista selvagem e opressor, um verdadeiro demônio a serviço do imperialismo do Tio Sam. Felizmente, Gabler chega com seu livro para destruir o simplismo maniqueísta daqueles autores bobocas, pondo todos os pingos nos is e mostrando Walt Disney como realmente foi: um homem com suas virtudes e seus defeitos, as primeiras suplantando amplamente os segundos. Além dos relatos de familiares e ex-parceiros de Disney, entrevistas e artigos publicados em revistas e jornais ao longo dos anos, Gabler teve acesso a documentos que nenhum outro historiador teve a respeito dele: os arquivos e anotações dos estúdios, as atas de reuniões, o que permitiu uma detalhada biografia desse incrível personagem do século XX, como jamais foi feita.
                Desde o início da leitura percebemos que o autor procura entender a personalidade de Disney e que, segundo ele, foi moldada em sua tenra infância e início de adolescência na virada das duas primeiras décadas do século passado, vividas numa pequena cidade do interior do Kansas, Marceline. Foi esse cenário idílico onde vivia numa comunidade fraterna, que Disney buscaria o resto de sua vida com suas grandiosas realizações. Ainda que se tornasse um homem do mundo, um cosmopolita que sempre viajava quando tinha chance, dentro de seu coração pulsava a lembrança inesquecível de Marceline.
                E no decorrer das páginas dessa monumental biografia, vamos refazendo os conceitos torpes que nos foram passados pelos historiadores marxistas. Uma das mais conhecidas acusações: a de que Disney teria traído seu parceiro de trabalho Ub Iwerks, e que este seria o único criador do Mickey, tendo Walt simplesmente se usurpado do personagem símbolo dos estúdios Disney. Gabler desmente isso com tranquilidade, e mais: deixa provado que foi Iwerks quem abandonou, por livre e espontânea vontade, os estúdios Disney, preterindo-o por outro comandado por um desafeto do ex-parceiro (Disney recebeu-o de volta, décadas depois).
                Ah, e não podemos nos esquecer do maior ‘pecado’ de Walt Disney, segundo os detratores marxistas: o seu anti-comunismo ferrenho. Bem, aí os detratores têm razão. Afinal de contas, como um homem como Disney, um empreendedor incansável, forjado na iniciativa privada, um artista criativo como ele iria simpatizar com idéias coletivistas? E Gabler nos mostra que a militância anti-comunista de Walt Disney recrudesceu por um motivo muito compreensível, durante os fatos ocorridos na virada dos anos 30 e 40 do século passado, quando alguns de seus ex-funcionários, desafetos dele, cerraram fileiras com os sindicalistas e piqueteiros grevistas que quase levaram a bancarrota o seu estúdio. “Disney mandou a polícia descer o sarrafo nos grevistas”, gritam os detratores. Primeiramente, ainda que já fosse rico e famoso naquela época, ele não tinha poder de polícia. E Gabler explica que não foram exatamente os policiais que atacaram os grevistas (estes, talvez fossem todos uns ‘santinhos’, não é? Nenhum deles rancoroso, nenhum beligerante). Diante dos piquetes que ameaçavam seu estúdio, Disney recorreu a polícia; o comissário disse-lhe que não poderia dispor de homens para defender sua propriedade. Walt não pensou duas vezes e contratou cinquenta guardas particulares – e estes sim, desceram o sarrafo nos grevistas impertinentes e agressivos. Gabler vai mais além: explica que, após as greves, o ambiente familiar que dominava o estúdio, diferenciando-o de todos os demais em Hollywood, deteriorou-se para sempre – e a partir daí sim, Disney foi se tornando, ao longo dos anos, um patrão autoritário e insensível, por vezes demitindo até mesmo companheiros de longa data. Diante do que se passou no episódio das greves, não impressiona o fato de Disney ter se engajado na militância anti-comunista, depondo nas comissões do Congresso e denunciando a prática dos marxistas infiltrados em Hollywood – e vejam que coisa, Gabler prova por A + B que os líderes sindicais que atacavam os estúdios Disney eram... comunistas! E de carteirinha, todos filiados ao ‘partidão’ de lá.
(um pequeno parêntese: para saber mais da influência comunista nos anos 30 e 40 em Hollywood, dois livros indispensáveis: ‘Hollywood Party’ de Kenneth Lloyd Billingsley e ‘Primetime Propaganda’, de Ben Shapiro – ambos ainda sem traduções em português, vamos ver se, depois do que vimos em 2013, com os livros de autores conservadores sendo, destacadamente, os mais vendidos no Brasil, se os editores daqui se tocam e traduzam esses e tantos outros livros importantes que vão deixar a esquerdalha em polvorosa!)
                A biografia de Gabler vai mostrando, de forma fascinante – tal como a vida do biografado – a ascensão de Walt Disney no mundo do entretenimento, e sua influência cada vez mais intensa na sociedade americana e no resto do mundo. Uma trajetória marcada por muita luta, trabalho duro, vivendo sempre a um passo da falência, arriscando seus recursos continuamente, algo impensável para os detratores e seus livros idiotas. E, ao lado de tudo isso, a vida pessoal e familiar (marido fiel e pai extremamente amoroso), a participação na Cruz Vermelha durante a Primeira Guerra Mundial, as viagens, o contato com os companheiros de trabalho – nem sempre harmonioso.
Neal Gabler define perfeitamente a importância de Walt Disney para a contemporaneidade:
                Ele mudou o mundo. Criou uma forma de arte e depois produziu vários clássicos indiscutíveis com ela (...) Propiciou fuga para a Depressão [econômica, da década de 30], força durante a [Segunda] guerra, e conforto depois [destacadamente, o projeto da Disneylândia], (...) Foi pioneiro dos filmes coloridos e da televisão em cores. Reinventou o parque de diversões e, ao fazer isso, alterou a consciência americana, para melhor ou pior, de forma que seus compatriotas preferiam a ilusão à realidade, o falso ao autêntico. Estimulou e popularizou a conservação do meio ambiente, a exploração espacial, a energia atômica, o planejamento urbano e uma consciência histórica mais profunda.

                Ufa! Bem mais do que um simples ‘explorador capitalista anti-comunista’, hein? Apenas a lamentar que o livro quase não fale a respeito das Histórias-em-Quadrinhos, mas isso também é coerente, afinal, Disney parou de desenhar muito cedo, por volta dos trinta anos de idade já não queria saber de prancheta e encarregou seus mais talentosos artistas, como Floyd Gottfredson e Carl Barks, para cuidar das tiras de jornais e dos gibis.

A História, soberana, colocando as coisas em seus devidos lugares, graças ao esforço e ao talento de gente como Neal Gabler. (JS)